sexta-feira, 21 de outubro de 2016

domingo, 16 de outubro de 2016





Capítulos de PERFUMES DE PARIS - Sayonara Salvioli





Parte do PRÓLOGO, páginas 11 e 12:

– Pois, como eu dizia, mademoiselle Charlotte, sobre o que aprendemos com a natureza e como devemos agir em relação a ela…
Mostrei minha melhor expressão de atenção. Ele completou:
– Cabe a você arranjar a lenha para o inverno, a disposição para se embrenhar nos bosques, colher amoras e framboesas, maravilhar-se com as cerejeiras floridas da primavera e no verão viver de alegria! Na terra de todos nós, parisienses ou não, não há reino subterrâneo, minha pequena.
– Não? – Arregalei os olhos, em interrogação.
Ele continuou:
– Não, não existe Hades para impedir o seu caminho. E lembre-se: apenas ouça o seu coração, os seus instintos, e siga sempre adiante, na medida dos seus desejos. Ande tanto e quanto puder, e vá engarrafando os pós da estrada! Só assim você construirá o seu reino. A natureza pode ser mágica se você devolver em dobro o que ela lhe der: o calor do fogo, a leveza das folhas outonais pipocando sob seus pés, o tom dos frutos silvestres pintando a sua língua de vermelho e a liberdade do vento depois da tempestade para varrer a tristeza. Devolva, pois, tudo na medida em que recebe. Essa é a medida do viver, acredite!
Eu tinha treze anos de idade, mas setenta de alma. Pressenti ali que aquelas palavras eram para depois de sua partida. E perguntei:
– Você estará sempre por perto para me ensinar as verdades da vida?
Eugène olhou-me fixamente com aqueles seus olhos redondos cor de folha e falou:
– Sim, sempre estarei por perto, como o ar.
A sabedoria para entender isso eu não tinha. Mas ele explicou:
– O ar está em torno de você, acima, abaixo, no exterior e dentro de seu corpo, mas você não o vê, certo? – Eugène olhou em volta, brincalhão, e gritou: – Monsieur L’Air, está por aqui? – E continuou: – Charlotte Emanuelle, ouça… Não, ele não responde, obviamente, mas está. Quer ver como ele não pode ir embora nunca?
E Eugène fez aquela brincadeira de adulto de nos tapar o nariz, brincadeira boba, estúpida, mas que me deixou sua lição e sua presença para a vida inteira. Só que ele me prendeu as narinas com tanta força, que, por uma fração de segundo, pensei mesmo não poder respirar. Foi nessa hora que – ao soltá-las e vendo o meu desespero –, Eugène, com o jeito mais sério e, ao mesmo tempo, mais leve do mundo, me perguntou:
– Sentiu o ar de volta?
Assenti com a cabeça, assustada, cabelos no canto do lábio.
E ele:
– Pois eu serei sempre como esse ar: mesmo quando você não puder mais me ver, eu estarei por perto toda vez em que você perder o fôlego.
Entendi ali, para sempre, que o amor pode ser como o ar: nós não o vemos, ele não nos responde com clareza, mas se renova em nosso resfolegar de vida, que se repõe sempre que alguém nos ama de verdade. E é esse ar que mantém Eugène comigo a vida toda. Sua presença é a minha respiração sempre que escapo do perigo.


Por Sayonara Salvioli