quinta-feira, 5 de julho de 2018

Copa de 82: a memória de um futebol de arte





O ano de 1982 foi, para mim, um dos mais marcantes, até então (bom, creio mesmo que para sempre!). Na verdade, apesar dos muitos marcos que perfizeram a rota sinuosa daquele ano, somente agora – trinta e seis anos depois – é que me apercebi de seu valor cabal em meu histórico. Sem dúvida, isso é matéria para bem mais do que uma crônica... E como o é! Por isso, vou me ater a somente um de seus marcos daquele julho: a fatídica partida do Brasil contra a Itália nas quartas de final da Copa do Mundo da Espanha 82.

Quem não se lembra do Naranjito?... Ah, que emoções me fervem a lembrança – e isso nunca se atenuou, em nenhum desses anos – ao me lembrar do minuto derradeiro do jogo que tirou o Brasil da Copa! Chegamos aos 44 minutos do segundo tempo com uma Sayonara de 14 anos ajoelhada, clamando aos céus por um milagre que se pudesse designar Goooool!... Mas este – para a tristeza de milhões e milhões de torcedores brasileiros – simplesmente não veio... porque o milagre veio antes: a sacralização de um futebol-arte que nunca mais encontraria comparativo nos certames da Fifa campos afora!... A espetacular e inimitável Seleção Canarinho foi embora do estádio Sarriá como quem morre precocemente: mantendo-se para sempre com o frescor e a beleza de uma juventude eterna – com uma face de tal resplendor que o tempo não pode fazer esmaecer nunca, como um ente no imaginário da gente, uma espécie de entidade – linda, luminosa e encantadora! Os que vão antes da hora têm a plenitude dessa marca: uma cicatriz resistente a qualquer varredura dos anos... E se a taça foi trocada pela eternidade do símbolo, talvez tamanha aura sagrada explique por que nunca mais houve um gol de curvatura incomum como o do Eder contra a Escócia ou um ballet de saltos futebolísticos como o do time coeso de Telê! Puro engenho e arte! Era do talento individual em campo!... 



E hoje – precisamente 5 de julho – parece que se acometeu de meu pensamento uma lembrança com data marcada, como se eu adivinhasse e (re)sentisse o marco gregoriano que plantou como que uma flecha no coração do brasileiro. Saibam as novas gerações que, embora sem a vitória, a seleção de 82 alcançou no brasileiro o sentimento, a emoção mais genuína do amor e do orgulho de ser da nação que encantava o mundo com o seu propalado futebol-arte! Sim, aqui brado agora contra esse patrulhamento exacerbado do gosto do brasileiro pela Copa do Mundo! Ora, essas exigências de postura política detonando a Copa – em detrimento do patriotismo, do civismo, de um amor nacional – é um absurdo de seletividade forçada. Onde está escrito que sem o futebol o país preencheria suas lacunas sociais e cerziria as rasuras da economia? Salvar-se-ia o decoro parlamentar se parássemos de torcer pelo futebol? Ora, bolas... bolas na Rússia, bolas nos campos nacionais e internacionais, que mal faz soltar o grito feliz de gol nos intervalos das mazelas nacionais?

Deixando de lado esse tal e antipático politicamente correto, volto a um tempo em que – apesar da sofreguidão emblemática – deixou marcas de uma atuação artística do esporte, de um sonho dourado que não se pegou com as mãos, mas que deu título: a de uma das maiores seleções que as Copas do Mundo já viram! Não duvide, você que é de nascimento recente, pois assim foi! Imagine o que é ver um de seus ídolos esportivos fazendo um gol certeiro ao bater de longe e num ângulo impensável! Imagine, meu leitor jovem, que – ao contrário de agora, quando esperamos por um gol e este não sai, lance após lance – em 82 nós éramos sur-pre-en-di-dos por gols que quando ecoavam na garganta o lance já estava quase no replay, tamanha a surpresa e o rompante da bola na rede que um amarelinho mandava! Literalmente sem que víssemos antes de a redondinha ser encaçapada pela malha adversária! E a bola no (do) pé do Eder – “o canhão olímpico” – presenteava o brasileiro com uma voadora que desenhava um ângulo inacreditável e, ao desafiar a Física, se convertia num golaço como se chutado por um deus do Olimpo dos esportes, tamanha a proeza! E mais: os gols (de falta!) do Zico, a arquitetura da bola e a finalização do Dr. Sócrates, a classe acrobata de Falcão, a bola decidida de Júnior! Uma seleção arrebatadora – a favoritíssima de um certame com 24 seleções participantes – que entrou e saiu encantando!... Tão superior e extraordinária em sua graça e harmonia no gramado que, na coletiva após a eliminação nas quartas de final – fez seu técnico, Telê Santana, ser aplaudido de pé por 250 jornalistas de todo o mundo!

Então, você deve me perguntar: como um time assim não foi campeão do mundo? E eu, que nem entender de futebol entendo, faço coro aos especialistas: não se explica o imprevisível do esporte, mesmo o esporte de brilho... Como dizem todos: “aquilo ninguém entendeu; o Brasil ficou emudecido, e o mundo inteiro ficou chocado com a zebra causada pela Squadra Azurra de Paolo Rossi... E arrisco eu: talvez o deus do futebol tenha ficado com inveja de um futebol-arte que ofuscaria a luz de quaisquer dos atletas olímpicos da antiguidade! E acabou emprestando a um europeu um tributo olímpico que pertencia genuinamente a ágeis e habilidosos pés brasileiros!

Sim, era Paolo Rossi o nome do algoz que plantou três gols na nossa rede e me fez, nos momentos finais da partida, renegar provisoriamente a minha ascendência italiana!  E  o preço, para nós – cidadãos e torcedores brasileiros – foi uma condenação muito clara: nunca mais vimos o Brasil jogar com aquela maestria! Parece até que o nosso futebol-arte ficou enterrado no gramado do Sarriá, que até deixou de ser estádio (ruiu, virou pó... e só tem holofotes hoje  nas vitrines do shopping que se ergueu em seu lugar). Quanto ao italiano carrasco, para se para se redimir, hoje é um dos embaixadores da ONU para Profissionais do Futebol Contra a Fome. Comentários ressentidos à parte, el bambino de ouro da esquadra azurra, além de comentarista da Sky italiana, hoje tem também seus dias de campo ao presidir a produção de azeite e vinho de sua fazenda na Toscana.

Quanto à nossa seleção – reitero e reitero –, nunca mais voltou a exercer um futebol de sutil beleza
como o do nosso Olé na Espanha, a encantar o mundo nas quatro partidas (anteriores ao Sarriá) em que fez 13 gols de galeria [BrasilXUnião Soviética 2X1, BrasilXEscócia (4X1), BrasilXNova Zelândia (4X0) e  BrasilXArgentina(3X1)]. Tanto que quando da conquista do tetra nos Estados Unidos, em 1994, sem qualquer desrespeito aos jogadores que levantaram a taça, a emoção não foi tão farta quanto teria sido a da Copa de 82! 

Além da superioridade clara da seleção brasileira no campeonato e do consequente encantamento que sua jornada despertou em todos nós, uma tal congruência de fatores do jogo em si também corroborou para a memória daquele jogo, fadado ao fardo de uma derrota inesquecível... Foi assim: inaugurando o marcador, Paolo Rossi marcou, ainda aos 5" do primeiro tempo; alguns minutos depois, precisamente aos 12", Sócrates empatou. Primeiro alívio. Depois, aos 22", Falcão fez o gol que nos dava a (provisória) vitória. Alívio enorme... e reconquistada a confiança em nossa integridade imbatível... mas por pouco tempo: exatamente três minutos depois, aos 25", o terrível Rossi marcava seu segundo tento e empatava a partida! E o sofrimento atingiu um quase ápice aos 29", quando o goleador italiano terminou de fazer a sua festa, assinalando o terceiro e último gol, que sagrava a Itália e nos tirava da Copa de que éramos "a grande constelação"! A partir desse ponto, o sofrimento só fez se intensificar, dando-nos – instante a instante – o sabor amargo de uma eliminação histórica! 

E na galeria das grandes tristezas simbólicas nacionais ficou a imorredoura lembrança, que se fez presente por muito tempo nas lamentações populares... A chamada “tragédia do Sarriá” deixou meu pai reclamando anos a fio: “Ah, se o Cerezo não tivesse voltado aquela bola”... Outros culparam o Waldir Peres(in memoriam)... Mas nem um nem outro pode em sua figura suportar o peso de uma derrota que não se explica, já que nosso time, nossas condições técnicas e nossas táticas eram visivelmente melhores, bem como o histórico na primeira fase, haja vista que a Itália fez uma campanha de franca dificuldade, apagada e sem expectativa... 

Mesmo não conseguindo encontrar respostas até hoje, talvez tenha ficado uma lição para o povo brasileiro e para cada um de nós: em guerra contra inimigos em momentos decisivos, talvez mais importante do que o ataque seja a defesa!

Por Sayonara Salvioli

terça-feira, 12 de junho de 2018




SAYONARA SALVIOLI

O PRESENTE DE POMPEIA
romance inéditoSS1738091




Prólogo 

                                  Créditos da imagem: F. Surprise


Eu ainda não direi o meu nome; a lei do silêncio pode ser um bom começo de relação – algumas vezes, foi saída fácil para a humanidade. E eu a uso agora não como um recurso especial, mas porque não interessa aqui a minha identidade: se sou um homem destemido e valoroso, talvez um guerreiro de bíceps avantajado, se sou uma mulher bela e gentil, de faces rosadas e olhar traiçoeiro... se sou (quem sabe?) um jovem sonhador ou um velho com as forças combalidas, espinha vergada e voz trêmula. Não importa. No entanto, não sou nenhum desses. E neste momento interessa apenas a minha missão da vez: a história que eu vou contar.
É a história de um amor proibido capaz de tocar o coração mais endurecido, mas também passível de liberar o verso do poeta, acalmar animais indomáveis e arrancar sussurros dos amantes!  E tudo é assim tão forte e bonito, desde o princípio, porque estou aqui – navegando o mar Egeu, numa imensidão azul de causar inveja ao próprio céu!  A visão é como uma cortina d’água cor de turquesa contornando a corte do Olimpo... Na verdade, atravessei o Mediterrâneo e acabei por optar por esta fresta magnífica de oceano, onde assisto agora a um espetáculo que é o oposto do que vi, aqui neste mesmo mar, o ano passado...
Era o dia 2 de setembro de 2015 e eu andava pelas bandas da Turquia, em Bodrum, quando vi as águas do Mar Egeu banharem o corpinho imóvel de um menino moreno, bonito como um anjo, com o rostinho redondo enfiado na areia pelo beijo da morte!... Aproximei-me dele e o que senti foi um golpe de alma: um vento frio espalhou um som lúgubre que parecia atravessar todo o mar em protesto, no mais lancinante grito dos ares! Sabe quando o vento sopra um murmúrio triste, mas tão triste que os dentes dos humanos parecem ranger e a sua coluna dorsal se petrifica? Assim!
Bom, eu não sou novo, posso garantir, e conheço desta vida tudo que uma pessoa possa imaginar. Mas, juro, nem o acúmulo dos anos me trouxe, até hoje, a aceitação da morte de uma criança. Pequenos não deveriam cerrar os olhos... Mãe nenhuma poderia perder um filho ainda criança. E o menino na praia foi silenciado à força, pelo humano grito estridente da guerra.
Estou acostumado a viajar o mundo (flâneur incorrigível que sou!) e já vi coisas que não estão nem nas inscrições nas árvores dos druidas nem no Apocalipse de João. Mas essa cena do pequeno sírio, com toda a sua inocência enterrada na praia dos homens insensíveis, foi uma das piores de meu manancial de memórias. Há muito eu não via nada igual! E era apenas um dos inocentes tornados inertes... Mais ainda do que essa dor, teve lugar por aqui uma lamentação coletiva, de milhões de pessoas, entre crianças e desvalidas, que precisaram deixar seu lar e sua pátria na Síria.
Minha memória me faz recordar que, naquela quarta-feira triste, morreram o menininho de três anos, sua mãe, seu irmão e outros seis patrícios. A partir disso, como se não fosse tarde, governos da União Europeia resolveram, enfim, dar guarida a mais de cem mil sírios. E um contingente de refugiados começou a chegar à Itália e à Grécia...

E é nessa Grécia estupendamente azul, bem no meio da paradisíaca baía de Kiladha, Golfo de Argos, que vejo uma figura de mulher que mais se assemelha a uma oferenda viva ao Mar Egeu! Uma Ifigênia em honra a Posseidon, o deus dos mares? Ou a própria Afrodite — a deusa da beleza saída das espumas do mar?
Num ângulo da Terra, ao largo da costa oriental do Peloponeso, pareço avistar a própria rainha das nereidas: Sophia! Quando olhada de perto, a divindade terrena revela um biotipo de Grécia Clássica. Aliás, quando a fito mais de perto ainda, percebo que ela parece mesmo uma estátua grega, como essas que adornam os museus, os ginásios e os pódios. E tem um ar de quem não é deste mundo: seu rosto e suas formas bem acentuadas dão a ideia de que ela vive em outra era... parece habitar os tempos da antiguidade.
Mas a verdade é que ela é da Terra mesmo — uma cientista, exploradora náutica e de civilizações antigas. Especializada em arqueologia subaquática, é uma heroína pós-moderna da era 2000. Natural da Ilha de Santorini, mora em Atenas. Mas vive rodando o mundo em busca de tesouros milenares, pré-históricos e sensacionais. E não é para menos: além do talento intelectual notório, o seu berço natural – a famosa ilha grega, ponta norte – oferece um mundo de atrações capazes de estimular qualquer pessoa a querer conhecer melhor esse universo: penhascos, mar cristalino e rochas vulcânicas....
E aqui estou, sem ser visto, contemplando o próprio paraíso — como todos se sentem ao entrar no Egeu —, onde o mundo é um espetáculo à nossa volta... Não posso deixar de olhar com fascínio para essa humana destemida, que se afunda em cavernas, tumbas e mares para penetrar os segredos do passado.
O sol se reflete no seu corpo em movimento, debatendo-se nas águas, e faz reluzir o neoprene da sua roupa de mergulho, da cor do oceano. Sophia se flexiona como uma enguia – toda agilidade e desenvoltura – como se o snorkel fosse uma extensão de seu corpo e não pesasse ou incomodasse.
Penso que agora, este ano, é bem mais feliz a minha visita ao Mar Egeu: estou de olhos postos numa figura de mulher grega que imerge em suas águas com a intrepidez maior que a de um navegador e, ao mesmo tempo, a leveza de uma nereida, dona de todos os encantos do mar, com as suas curvas corporais e os seus meneios... O barulho de seus braços e pernas na água e também a sua fala se fazem ouvir:
 — Leandro, quem diria que o nosso trio da faculdade iria encontrar uma cidade submersa como essa?!
A água parece estar quente e agradável, mas o arqueólogo tem dificuldades para falar, pois ficou muito tempo debaixo d’água:
— Sim — diz, em entrecortes de voz —, da Idade do Bronze. — e começa a estabilizar a respiração.
Sophia está empolgada:
— E o melhor: uma civilização de três milênios antes de Cristo! Literalmente, essa descoberta é um divisor de águas na nossa carreira! — Acho que com essa ficamos mais importantes que Ulisses... — Ah, ah, ah, ah!
— Mas a odisseia, a grande aventura, não será fácil! — Uns acadêmicos de Genebra estão brigando pela descoberta; já se instalou uma turma na praia de Lambayanna...
A arqueóloga-nadadora, de repente, desloca-se na água fazendo barulho e borbulhas... afunda-se de propósito e emerge à superfície, agitada e falando alto:
— Eles não podem abrir uma temporada de pesquisa sem o nosso grupo, Leandro! O feito foi nosso!  Acham que é fácil assim? Que é só chegar e “pegar” tudo pronto? E explorar os doze mil metros quadrados de uma civilização costeira submersa... — faz uma pausa para respirar melhor — que nós descobrimos?! Não, mesmo!
Leandro começa a rir, e Sophia não entende nada. Mais do que isso, fica irritada:
— Está maluco, Lê? Então, os caras querem tirar os louros da nossa conquista, descaradamente roubando a nossa descoberta... e tudo que você faz é rir?!
O amigo, então, estende a mão direita, contendo algo dentro, e diz:
— Duvido que adivinhe o presente que tenho aqui pra você!
Sophia se interessa:
— O que é? Pegou lá nos escombros? — e, entrando na brincadeira: — Já sei, já sei... um colar ou uma tiara das damas da nova Atlântida?!
Leandro balança a cabeça que não. E, como já conseguiu o que queria,  o brilho nos olhos de Sophia — que estão translúcidos como a água —, resolve acabar com o suspense:
 — Nada disso! Não peguei no navio... Prefiro os presentes vivos! — e entrega à colega — tapando com a mão direita e guardando o conteúdo misterioso entre os dedos da mão fechada de Sophia — uma criaturinha do mar muito, muito diferente...
Sophia solta um gritinho e algumas exclamações, ao abrir a própria mão e se deparar com uma espécie de miniarraia com os olhos vivos fitos nos seus, uns olhos grandes, destacados e meio amendoados como os de uma egípcia, se humana a criaturinha fosse... Mas de repente:
— Ai, esse bicho espeta... furou minha mão! Olhe: ela é cheia de pequenos espinhos no dorso... eles ferem... — e, no momento seguinte, entendeu o motivo do presente: — Mas... observe isso, Leandro, a miniarraia tem a boca pintada! Ei... ela parece estar de batom! Como pode?! A cor dos lábios dela é do exato tom do gloss que eu quase comprei na Sephora ontem!
Sophia está agitada com a novidade e olha, com ar gentil e, ao mesmo tempo, perplexo, para o presente em forma de... crustáceo?!
O amigo esclarece:
— É um Ogcocephalus darwini. Peguei no ponto mais profundo do oceano, junto à entrada da cidade.
A cientista continua investigando com o olhar o bichinho do mar que parece uma figura de ficção ultramarina. Diz:
— Eu não sabia que no Egeu era possível encontrar algo assim. Parece a imagem de um serzinho saído d’algum livro de magia...
— Bom, nas “profundas” do Egeu, você quer dizer. Ela morava a mais ou menos  trinta metros de profundidade!
Um pensamento passa pela cabeça inventiva da cientista, que já está achando que a espécie — assim como a cidade submersa — é de uma outra era...
Leandro parece entender a sua imaginação:
— É um tipo de vida incomum, mas existe, ainda, em Galápagos; foi lá que vi pela primeira vez essas moças engraçadinhas...
Ambos olham o pequeno bicho do oceano e riem. Sophia não se contém, contemplativa:
— É incrível, mas essa priminha do siri parece estar mesmo com os lábios pintados! E que rosto mais humano: olhos, narinas!...
É inacreditável, sim: uma pequena arraia, sustentando-se sobre quatro patas esbranquiçadas e gelatinosas, com uma “carinha” de expressão humana. O tal rosto desenhado, com a sua “boca de peixe” (ou seria crustáceo?), lábios coloridíssimos de um batom alaranjado-cintilante... Um deslumbre para olhos de desbravadores. De mulheres exploradoras, especialmente!
Bruscamente, o bichinho sai andando com as patinhas curtas, desde a mão até o antebraço esquerdo de Sophia, indo dar na água, rapidamente — numa fluência que só a natureza explica... A moça fica desapontada:
— Ah, não... Fugiu!
Neste momento, na imensidão toda cristal e borbulhas — num barulho de deslocamento que faz romper o silêncio do meio do oceano, Leandro afunda de novo.
Sophia nada entende, retira o snorkel e o joga no bote ao lado, próximo uns metros de sua embarcação-veículo. Meio sem consciência dos perigos que podem existir à sua volta, aproveita o momento para ficar boiando naquele paraíso aquático, com uma civilização milenar submersa e escondida... Seu corpo molhado fica moldado dentro daquela roupa que parece uma armadura modernosa de astronauta das profundezas abissais... E ela está refletindo sobre os ciclos da vida quando, bruscamente, novo deslocar de águas traz de volta Leandro à superfície, tendo nos braços...
—... um peixe todo azul e fofinho! Que coisa mais linda, Lê!... Não está pesado? Ele é enorme! Parece de aquário gigante de exposição!
A arqueóloga, maravilhada, se refere ao imenso peixe, cristalinamente azul, de mais de um metro de comprimento — e parecendo uma figura em 9D de tão dimensional —, cujo tom se mistura ao das águas quentes do Egeu!... De fato, é coisa para encher os olhos, pois o peixe resplandecente parece todo aquoso, quase como se fosse inflável, todo cheinho, volumoso... e tem a cor do céu! E com um olhar brilhante, quase lacrimoso, como o do mais encantador peixinho de estimação! Um mimo do reino marinho... Trazido pelo amigo, um presente feito de mar, textura de oceano, tom azul-piscina mesmo, talvez uma prolongação perfeita do Egeu dentro de um corpo de peixe!
Sophia sorri com a imagem, e Leandro também está sorrindo, quando, de repente, daqui — do meu ângulo de observação — eu miro o inferno de Dante em seus olhos: é a expressão fiel do pavor:! Acho que a nereida viu a própria Medusa surgida nos mares!
Leandro é suspenso nos ares, e o lindo peixe azul cai nas águas... Numa fração de segundo, como se surgido das profundezas abissais de um inferno náutico, um animal enorme, um monstro — lobo-marinho gigante, orca, um cruzamento de espécies?! — levanta-se na água abruptamente... Por Zeus! Parece ter uns sessenta pés de comprimento! No seu dorso, está Leandro, como um boneco de tão pequeno nos braços mortíferos da fera! Está imprensado dentro dos braços da quimera marinha, envolvido por filamentos que parecem tentáculos gigantes, sendo aos poucos envolvido e sufocado, com a língua de fora e os olhos vermelhos como fogo, sem ar, oprimido na garganta com o silêncio da morte!...
De frente para ele, Sophia — em estado de choque — fura os ares com um grito agudo e alarmante, que faz os pelicanos se afugentarem céus afora... E o som da lamentação penetra as águas e as encostas dos rochedos, a praia e a atmosfera! E só se cala no fundo do ouvido das criaturas... Todos — humanos e aves —, todos paralisados com a criatura furiosa do Mar Egeu!

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Embora Sophia nunca mais vá esquecer esse quadro de horror — ainda que ela venha a viver cento e cinquenta anos! —, talvez mais tarde ela venha a entender melhor a perda brutal do amigo na baía de Kiladha e conclua até que, em seu pavor repentino, ela chegara a ver coisas... Sim, a cientista estava com sono e mergulhara por muito tempo — sem forças e sem se alimentar direito. Suas ideias embaralhavam-se e sua mente podia fazer projeções... Falta de sono, de comida e mar podem ser perfeitos alucinógenos. E por isso, muito provavelmente, a arqueóloga vira na foca-monge-do-Mediterrâneo — um real ser marinho de quatrocentos quilos — não menos que a figura terrena e reduzida da monstruosa Hidra de Lerna! 

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Coincidência de nomes, acaso ou destino? Na mitologia grega, o jovem Leandro também foi tragado pelas águas.

                                       

DESTINO GREGO
                                    Primeira parte

Capítulo I

                   De marfim e ouro, qual Athena...


E vem o pós-tragédia... Aquele período em que as pessoas se encontram no fundo de uma caverna, mas que não é como a de Platão.  Prisioneiro é quem ficou, a pessoa que — abatida pelo trauma da perda — está com grilhões nos pés que a impedem de alcançar a saída da caverna para ver o mundo... E a moça foi essa prisioneira por um tempo — não dos próprios mitos —, mas sim de uma dor gigantesca. E só nisso o sentimento era igual à caverna de Platão: a ideia de que a dor dentro de si era maior que o resto do mundo.
Não era! E Sophia saiu da caverna... Bom, no caso dela também adentrou outras grutas e cavernas, por ser arqueóloga. E sabia que algum dia precisaria voltar a mergulhar e a emergir — no Egeu e no mundo.


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Atenas, Museu Arqueológico Nacional, agosto de 2016.
Agora, porém, a arqueóloga está em terra. Sophia decide voltar ao trabalho convencional da rotina em museus. Assume, então, seu posto à frente das coleções Esculturas e Tera.
A heroína de ciência da Grécia atual, totalmente voltada ao trabalho, pode até se esquecer de que é fiel aos moldes gregos também na aparência. No entanto, quem quer que a olhe, sendo deste mundo ou não, da era contemporânea ou de uma fase distante, imediatamente irá achar que a moça se trata de uma obra de arte viva — de pele marmórea e traços fisionômicos dos helenos clássicos. E, se catalogada ela fosse, como as demais peças de valor do museu, teria uma inscrição assim:

     Sophia Chronis, 31 anos — mulher grega do séc. XXI, arqueóloga, lenda feminina pós-moderna

Quanto à descrição, precisaria de um número maior de caracteres do que a praxe permite neste caso. Eu, no entanto, me atrevo a tentar descrever melhor a sua forma exterior... Rosto oval, algumas sardas — porém, em tez aveludada —, cabelos da cor do âmbar! Trata-se de uma linda mulher; mesmo, uma estátua grega tornada humana (repito!). Vejo ainda que o seu rosto parece o de uma italiana; ela tem algo que a faz parecer a eleita do Imperador, no tempo do apogeu do Império Romano. Sim, não sei se a classifico como grega ou romana... Ela parece ter as duas faces do que era o mito feminino dos dois povos. Isso fisicamente.
Sophia Chronis é alta e magra, mas de uma esbelteza que os antigos chamariam de bem-feita, torneada, com formas realçadas e vibrantes. Além das pernas esguias   que parecem prontas o tempo todo para uma maratona —, possui um tronco firme e rijo, que a faria ser confundida com uma lançadora de dardo dos primeiros jogos olímpicos, na própria Grécia. Sim, Sophia é esculpida e encarnada a estátua de Fídias — a Athena de ouro e marfim de doze metros que enfeitava o Parthenon! E, com essas formas esculturais, não poderia ser diferente quando está com um homem... O seu poder de atração é quase mortal, suponho... Ela não sabe, mas um de seus amores me falou sobre a sua efervescência feminina. Fiquei morto de inveja, pois queria também poder estar com ela na cama e sentir todas as nuances de seus sentidos... Aliás, desde que senti suas mãos quentes há uns anos nunca mais pude me esquecer da ninfa lépida e longilínea —, dourada como a estátua magna e como o Sol! Ao tomar a sua mão, sente-se um fervor constante, uma temperatura que não é normal... Talvez tenha sido por isso que seu homem do passado tenha dito:
— Uma noite, no auge do amor, olhei para o modo como ela se contorcia, fremitante, e senti meu peito inflamando com o corpo dela — e a vi tão em êxtase, no ponto mais alto do Olimpo, a tremer convulsivamente — que pensei até que ela pudesse morrer! Ali, naquele instante! Tamanha a intensidade de sua vibração orgásmica... Assustei-me e maravilhei-me, ao mesmo tempo, com aquela pele incandescente e aquele furor de amazona, e pensei que ela não era humana... Senti-me o próprio Rei-Sol!
Mas o corpo de luz não era ele mesmo. Tanto que tinha noção:
       — Mas aquele calor não vinha do meu corpo para o dela. Era justamente o contrário! A graça divina da hipertermia em momento de êxtase é da própria Sophia — e só dela! Nunca vivi nada parecido com nenhuma mulher...  É a própria deusa grega da epiderme e do tato — da plenitude corpórea.
E aí ele completou com algo que não mais me saiu da lembrança:
— Se êxtase tivesse nome próprio, seria feminino: Sophia Chronis!
Contudo, eu vejo ainda mais, bem mais na Athena humana: a sua personalidade também a faz parecer uma lenda! Sou um exímio observador e, não por qualquer motivo, sinto que em certo momento ela irá me surpreender, justo a mim, que sou mais visionário e atento que um mortal comum. Mas percebo que — mesmo sendo eu instável e voluntarioso — ela pode comigo: talvez ela consiga me enxergar em minhas diversas faces, penetrar-me os segredos... Eu bem sei o que ela pode com um homem! E, candidato que sou a seus amores, comigo ela não deverá ser diferente...
Ainda bem que ela ainda não sabe que me causou este sentimento, coisa que poucas vezes senti em toda a minha história, para ser franco. No entanto, o que vem ao caso é que Sophia Chronis é o atual objeto de minhas paixões mais arrebatadoras! Ela é capaz de atravessar-me, ponta a ponta, e instalar-se bem ao centro da minha emoção! Por isso, sempre estarei disposto a dar-lhe novas e novas chances...
E isso — o seu destempero, a sua impetuosidade — se manifesta não é de hoje... Pasme: já a vi fazendo coisas que a maior parte dos mortais nunca fará, como trilhar as áreas que circundam os mais de oito mil quilômetros da Muralha da China! Como uma Indiana Jones de indumentária feminina, vi também imagens suas no interior de pirâmides antiquíssimas, no alto das escadarias incas, no âmago de desertos e em matas cerradas da África Setentrional. Ainda a vi estampada de coragem a vasculhar instalações secretas dos governos do período da Segunda Guerra! Sei que não tem fim o seu espírito de busca, a sua avidez em redescobrir o mundo... E sei, mais ainda, que ela sonha — mais como estudiosa do que como aventureira — descobrir reinos que tenham ficado escondidos da humanidade por séculos, talvez milênios.
Mas agora as pistas que ela encontra infestam os ambientes internos do Museu Arqueológico Nacional de Atenas, sua segunda casa.

(...)





Capítulo II



Sentimentos gregos & troianos


Acropolis / Μνησικλέους 56, Plaka, Atenas 

Sophia Chronis — mesmo sendo uma mulher tão atraente e singular —, não seduz apenas pelos encantos de sua feminilidade. Sou seu fã, como já demonstrei, mas ela é lenda porque é mais... Mais que apenas mulher, mais que apenas criatura. E, com toda essa aura de deusa, ela é — na verdade e sobretudo — uma cientista brilhante das coisas antigas.  Mas o recente trauma, ainda que diante de suas (sagradas) obrigações, não lhe permite ficar em lugar fechado por muito tempo. Se antes isso não era comum, agora se tornou impossível. Leandro Alfeu era seu colega de trabalho, foi parceiro na universidade e amigo de infância. Vê-lo morrer completamente sufocado e com os olhos estatelados, num abraço maligno daquela criatura do mar, deixou-lhe uma ferida na alma, como pode pressupor qualquer um que carregue um órgão palpitante na caixa torácica. 
É por isso que agora — acreditando que a vida pode se esvair em um minuto — ela começou a jogar os compromissos para o alto e ir olhar o céu sempre que a sua razão tem dúvidas. Acostumada a pensar como cientista, a arqueóloga começa a entender que a emoção também pode ser diretriz e que — assim como o cérebro — cada lado da existência tem uma função.

                                                    ********

Sophia sai do museu meio desabalada, parecendo ter mais pressa que o vento soprante a saudá-la no grande átrio frontal à construção. De repente, ela dá uma paradinha e olha para trás, como se, com isso, pudesse contemplar o passado de volta. Mas o que ela vê mesmo, nesse momento, é a fachada do prédio salmão e branco, com grandes pilastras de mármore sustentando o pórtico principal. Quatro colunas gregas estilo coríntio são a porta de entrada para um mundo de antiguidades bem-guardadas. Lá, pensa a cientista, estão alguns dos maiores tesouros artísticos do seu país em peças individuais — da civilização helena primordial e, mesmo, da chamada era romanizada. E o período histórico ocorrido entre as duas.
A arqueologia estava no íntimo da heroína grega pós-moderna desde que ela se entendia por ser pensante. Sempre fora apaixonada pelos cenários do passado. Agora, no entanto, o seu cenário real — a rua Oktovriou — é o princípio de um trajeto quase inteiramente a pé até a Acrópole. Vinte minutos de um percurso compassado — com uma escalonada intermediária de metrô — a levarão até a colina sagrada dos discípulos de Zeus e sua corte.
Enquanto dá suas passadas de exploradora — observando sempre tudo ao seu redor — ela se admira (isso acontece sempre) com o paradoxo que é a cidade: apesar de ser uma metrópole da Europa toda movimentos e modernidades — com direito a prédios majestosos, comércio de rua, veículos e gentes —, Atenas é também um lugar que não esqueceu o passado. A capital grega dialoga com o tal Senhor Tempo de quem tanto falam, e Sophia é uma das principais interlocutoras dessa conversa. Ela apenas não sabe o que ele (o soberano tempo) deseja fazer dela. Por outro lado, ela sabe que gosta de acariciá-lo — no museu e na lembrança — sempre que o presente se mostra uma morada inóspita ou indesejada. E ela quer fugir não sabe para onde... E tem saudades não sabe de que lugar... Como entender isso?!

E a “cientista de roupa cáqui” não pode distinguir se são realidade ou memória olfativa os odores de limão e iogurte que sente nos ares ao caminhar pelas ruas de Atenas. Também o delicioso cheiro de um assado penetra suas narinas no momento em que passa em frente a um restaurante...

Sabores no ar e voos na mente (sempre!), ela se vê entrando na estação Vitoria, quase automaticamente. Cerca de cinco minutos depois, ela salta na
Monastiraki Metro Station.

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Agora, Sophia está quase diante da Acrópole. E o que ela sente, especialmente hoje, não seria maior se todos os deuses estivessem reunidos no alto da colina sagrada.

 Ouve-se de um guia turístico local:

— Αυτή είναι η πιο μαγευτική στιγμή στον κόσμο!

Sim, todos estão a contemplar a construção mais majestosa do mundo!

Sophia caminha entre enormes blocos de rocha calcária, em superfície irregular. Num relance, ela estica as vistas para apreciar o vizinho Templo de Hefestos e o Templo de Dionísio. É quando ela escuta um sino badalando e entende que o presente é uma aventura palpável. E que embora esteja na antiga Cidade Alta, quase diante do Parthenon —, num sítio arqueológico antiquíssimo, com a vista de uma cidade de seis mil anos —, é uma realidade bem viva que a prende ao mundo. É a sua eterna sede de desbravadora se manifestando mais uma vez!

Num átimo, a grandeza enche seus olhos: olha diante de si, muito, muito próximo agora, o monumento espetacular — o esplendor de mármore que reina absoluto na Acrópole! O Propileu, o Erecteu e o templo de Atena Nike ficam realmente pouco expressivos diante do Parthenon... É quase como se Athena, deslumbrante, o tivesse selado como uma das obras mais belas da Terra! E encantamento puro é o que Sophia sente toda vez que vem aqui. Como na história dos amores que queimam a pele, cada nova vez é como se fosse a primeira!

Repentinamente, um movimento aerodinâmico, um bater de asas —  planando sobre a sua cabeça e confundindo-a — quase a leva a transe, quando numa fração de segundo, um pombo gigante... de cor preta... Seria mesmo um pombo? Não, talvez um corvo... uma ave grande e escura... que mais e mais se agiganta, faz turvar suas vistas e, de repente, passa de raspão em seu rosto, desarruma seus cabelos, arregala seus enormes olhos cor de Sophia.... e ela cai, desmaiada!

            Sophia Chronis acorda numa taverna no bairro boêmio de Plaka. O barulho das ruas badaladas a faz abrir os olhos. Ao seu lado, Klei Alexander — um olhar suave num pender de cabeça, apesar dos braços musculosos, um deles ornado com uma tatuagem de Teseu, numa alegoria do momento em que ele vence o Minotauro. Isso deixa o rapaz bastante exuberante.

.  A moça não sabe o que viu nele, mas o fato é que — apesar de não sentir pelo rapaz nenhuma paixão — acha-o sempre por perto quando nada sabe de si mesma... Ele já foi seu namorado por um bom período, mas agora é uma espécie de ficante frequente ou uma companhia de determinadas fases. Mas a arqueóloga teme não sair desse marasmo da falta de paixão e acabar, por comodismo, voltando o namoro e se casando com o escultor-taverneiro-navegador, como se ele fosse um eterno encontro marcado.

  Klei é um artista plástico que molda sua arte num barco, a bordo do horizonte azul... Tudo muito livre para a mentalidade sistemática da cientista. Contudo, o rapaz parece o ponto de reinício de uma circunferência e acaba sempre fazendo a tal curva de 360 graus na sua vida. E não porque ele se pareça com um deus grego ou alguma espécie de fauno... Não, mas não deixa de ser raridade, já que — segundo as amigas da moça — Klei é um tremendo macho-alfa, tipo de homem em extinção.

  Certa vez, ele foi ao museu e até a sisuda da Dra. Adria, oceanógrafa e curadora da Exposição Sazonal de Talassos, ficou excitada com a visão do efebo:

  — Por Afrodite, Sophia! Apolo veio buscar sua lira? Ou Zeus resolveu assumir de vez a forma de homem?!

  De fato, o espécime grego dono de taverna e de mãos de torneador parecia um deus não só por saber manipular ferramentas como o próprio ferreiro Hefestos — o deus do fogo (o mesmo que fabricou o arco-e-flecha de Eros), com a sua forja em forma de raio.  O artista terreno é capaz de moldar formas humanas perfeitas e representações esculpidas de tudo quanto existe! Mas na Terra de hoje um deus do fogo chama a atenção por outros dotes... Ao vê-lo, também a auxilar Calandra exclamou: 

Ζεύς! Que músculos! Este Klei Alexander parece mais o David de Michelangelo, com exceção, claro, daquele detalhe mínimo — e olha os países baixos, em certo ponto da calça do rapaz: — não, não, decididamente, não! Sua majestade em testosterona é bem mais poderosa!

Nesse dia, Dafne e até a Dra. Adria riram aos montes, ao ouvirem isso, mas Sophia deu apenas um meio risinho, só para não ser antipática... Isso porque ela conhecia muito bem o lado de dentro da estátua máscula e sabia que, no fundo, no fundo, Klei é de uma grandeza quase sobre-humana de coração, e não só de peitoral ou de “partes”, apenas.

O bonitão também parece menos terreno e humano por causa de sua vida quase nômade. Divide a vida entre suas navegações no extremo azul e sua taverna no sopé da acrópole.

O lugar, meio mágico, apesar de feito para turistas, tem uma espécie de terraço grande, frontal, de onde se pode ter a vista mais bonita e ampla da cidade: nada menos que o quadro esplendoroso da colina clássica mais famosa do mundo! 


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E a taverna do ex-namorado(?) de Sophia fica no bairro noturno mais badalado da Atenas atual.
Sua fachada mostra um telhado arquitetonicamente rebaixado e decorado com uma cabeça da Medusa e medalhões de deusas com heras — em muitos galhos e ramificações — ornando-lhes as frontes. E, adentrando o espaço, logo se vê um jardim interior que mais parece um núcleo da Grécia antiga, um jardim com estátuas, parreiras e tochas — todo recriado para servir à noite dos novos tempos, com seus drinques coloridos, música, dança e festim. Dionísio aqui seria um deus de marasmo...
E a noite de Atenas na taverna Reino de Hades, de Klei Alexander — que mantém seu último fio de vida até o amanhecer, sem interrupções — ilustra bem o que dizem na Europa sobre a capital grega nos dias de hoje: que Atenas nunca dorme!
E não dorme mesmo! Como nas festas dos jovens, a noite toda, nas praias dos arredores, esse Reino de Hades bem contemporâneo apaga as tochas de festim somente quando o sol aparece. 

(...)

A noite caía com a beleza estrelada do céu de Atenas quando Sophia decidiu que iria nos próximos dias ao Oráculo de Delfos. 

domingo, 13 de maio de 2018




O OURO DO CAPITÃO e os 130 ANOS DE ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA NO BRASIL


Hoje – 13 de maio de 2018 – é dia de efeméride das mais importantes para a memória nacional: celebramos 130 anos da Abolição da Escravatura no Brasil. Infelizmente, o  nosso país – como tantos outros da história das civilizações – guarda essa mácula social e humanitária.

Há catorze anos, visitei e estudei in loco algumas das fazendas do Vale do Café (região do Médio Paraíba), locais que nos reportam a um passado de dor e injustiça. Esses cenários e essa turva parte da memória brasileira fazem parte do enredo de uma de minhas obras, romance em que narro a sucessão de cinco admiráveis gerações de mulheres africanas guerreiras, destemidas e guardiãs de suas tradições: O Ouro do Capitão. Lisboa: Chiado Editora, 2015.

Depois do lançamento do livro em Lisboa – em 25 de outubro de 2015 –, fiz três noites de autógrafos aqui no Brasil.

A seguir, postarei fotos das sessões de autógrafos e trechos do livro, deixando desde já aqui no blog o registro de tão significativa efeméride, destacando que a Literatura é e deve mesmo ser um veículo de delação social: o escritor traz consigo a responsabilidade social de retratar os painéis e as mazelas de seu tempo e de outras épocas, a fim de – pelo registro literário e pelo despertar de consciência crítica – ajudar a estruturar e melhorar o pensamento das sociedades.

Começando as galerias de imagens pelo LANÇAMENTO DE MEU ROMANCE O OURO DO CAPITÃO EM LISBOA (fotos que ilustraram a minha postagem de novembro de 2015, quando dei notícia do lançamento, aqui, ao querido leitor):